Roteiro das comunidades açorianas em Santa Catarina conhecendo vilas pesqueiras fundadas no século XVIII visitando igrejas centenárias e rodas de rendas de bilro e participando de festas do divino com gastronomia típica

A herança açoriana em Santa Catarina é um dos traços culturais mais marcantes do estado — especialmente no litoral, onde as tradições trazidas por imigrantes portugueses dos Açores, no século XVIII, permanecem vivas no cotidiano das comunidades. Essa presença se revela em cada detalhe: na arquitetura simples das vilas pesqueiras, na fé expressa em igrejas centenárias, na delicadeza da renda de bilro feita à mão e nas celebrações religiosas cheias de cor, música e sabores típicos.

Explorar esse universo é mais do que uma viagem no tempo — é uma imersão na alma de um povo que preserva com orgulho sua identidade. Este roteiro pelas comunidades açorianas em Santa Catarina convida você a conhecer vilarejos históricos à beira-mar, acompanhar rodas de renda, visitar igrejas que resistem ao tempo e participar das animadas festas do Divino, onde a gastronomia caseira conquista corações.

Prepare-se para uma experiência rica, autêntica e emocionante, onde passado e presente se encontram em cada esquina e cada prato.

Vilas pesqueiras fundadas no século XVIII

A história das comunidades açorianas em Santa Catarina começa em meados do século XVIII, quando cerca de seis mil imigrantes dos arquipélagos dos Açores e da Madeira foram trazidos pelo governo português para povoar e proteger o litoral sul do Brasil. A estratégia era tanto militar quanto econômica: formar colônias que garantissem a soberania portuguesa e estimulassem a pesca e a agricultura em regiões ainda pouco ocupadas.

Foi nesse contexto que surgiram as vilas pesqueiras que hoje são verdadeiros refúgios culturais, preservando a arquitetura, os costumes e o modo de vida típicos dos primeiros colonos. Entre elas, três merecem destaque especial:

Santo Antônio de Lisboa

Localizada no norte da Ilha de Santa Catarina, Santo Antônio de Lisboa encanta com suas ruas de paralelepípedos, casas coloniais coloridas e a vista deslumbrante para a baía. É uma das vilas açorianas mais bem preservadas do Brasil, onde o tempo parece correr mais devagar. Além do charme histórico, a comunidade mantém viva a cultura pesqueira e realiza eventos que celebram a identidade açoriana durante todo o ano.

Ribeirão da Ilha

Na costa oeste da ilha, o Ribeirão da Ilha é um verdadeiro museu a céu aberto. Fundado pelos açorianos em 1740, mantém sua tradição pesqueira com destaque para a maricultura — especialmente o cultivo de ostras, pelas quais é hoje reconhecido nacionalmente. As pequenas casas à beira-mar, a igreja centenária e os trapiches com redes de pesca compõem um cenário típico e acolhedor.

Armação do Pântano do Sul

Mais ao sul da ilha, a Armação do Pântano do Sul tem um passado ligado à caça de baleias, atividade incentivada pelos portugueses na época da colonização. Hoje, a vila preserva suas raízes através da pesca artesanal, dos festejos religiosos e da convivência comunitária. A região é cercada por belas praias e trilhas ecológicas, que complementam a riqueza histórica com paisagens de tirar o fôlego.

Essas vilas não apenas guardam memórias — elas vivem e compartilham diariamente o legado açoriano, principalmente através da pesca artesanal e da maricultura, práticas que envolvem a comunidade, respeitam o meio ambiente e oferecem ao visitante uma experiência autêntica, com sabores e histórias do mar.

Visita às igrejas centenárias

As igrejas centenárias das comunidades açorianas em Santa Catarina são verdadeiros marcos de fé, memória e identidade cultural. Construídas pelos colonos portugueses entre os séculos XVIII e XIX, essas igrejas não apenas serviam como espaços de culto, mas também como centros comunitários, onde a vida social, espiritual e até política se desenvolvia em torno da religião.

A arquitetura dessas construções reflete fortemente a influência portuguesa e açoriana, com linhas simples, fachadas caiadas, portas de madeira maciça, campanários e imagens sacras esculpidas por artistas locais. São construções modestas, mas carregadas de simbolismo e história — e visitá-las é como entrar em contato direto com a alma das comunidades que ajudaram a moldar o litoral catarinense.

Igreja de Nossa Senhora das Necessidades (Santo Antônio de Lisboa)

Construída em 1756, essa igreja é uma das mais antigas da Ilha de Santa Catarina. Localizada à beira-mar, no charmoso bairro de Santo Antônio de Lisboa, ela impressiona pela simplicidade e beleza de sua fachada barroca. Seu interior preserva altares em talha dourada, imagens sacras do século XVIII e um forte vínculo com a religiosidade tradicional. É o coração espiritual da vila, e palco de procissões e festas em homenagem à padroeira.

Igreja de Nossa Senhora da Lapa (Ribeirão da Ilha)

Erguida por volta de 1806, a Igreja de Nossa Senhora da Lapa se destaca no cenário do Ribeirão da Ilha com sua torre branca e vista privilegiada para o mar. Pequena, mas acolhedora, ela mantém viva a devoção mariana e é ponto de encontro da comunidade, especialmente durante a Festa da Padroeira, quando moradores e visitantes se reúnem em celebração e fé.

Fé que atravessa os séculos

Além da importância arquitetônica e histórica, essas igrejas continuam ativas como espaços de fé viva. As comunidades mantêm tradições seculares como as novenas, procissões, coroações e missas festivas — especialmente durante as Festas do Divino Espírito Santo, que movimentam as vilas com música, bandeiras, danças e orações.

Ao visitar essas igrejas centenárias, o viajante não apenas contempla construções históricas, mas participa de uma espiritualidade transmitida de geração em geração, que ainda pulsa com força nos corações dos moradores. É um convite à contemplação, ao respeito pelas tradições e ao mergulho profundo na cultura açoriana catarinense.

Rodas de renda de bilro: tradição que resiste ao tempo

Entre os fios da história açoriana em Santa Catarina, poucos elementos são tão delicados e simbólicos quanto a renda de bilro. Trazida pelos imigrantes açorianos no século XVIII, essa técnica artesanal de entrelaçar fios com a ajuda de pequenos bilros (pinos de madeira) e almofadas de enchimento ganhou espaço e se enraizou no cotidiano das mulheres das vilas pesqueiras, passando de geração em geração.

Mais do que uma arte, a renda de bilro é uma expressão de identidade cultural. As mulheres, reunidas em rodas, teciam com paciência e precisão desenhos complexos — florais, geométricos ou inspirados no mar — enquanto compartilhavam histórias, cantigas e experiências. Esse saber coletivo, aprendido desde a infância, ajudava a fortalecer os laços comunitários e a complementar a renda familiar.

Onde ver e aprender a renda de bilro

Hoje, embora a tecnologia e as mudanças de estilo de vida tenham transformado o cenário, a tradição da renda de bilro continua viva em várias comunidades açorianas, especialmente em:

Santo Antônio de Lisboa

Ribeirão da Ilha

Armação do Pântano do Sul

Nesses locais, grupos culturais e associações de rendeiras mantêm viva a prática, oferecendo oficinas, rodas abertas ao público e espaços de comercialização do artesanato. É possível ver as artesãs trabalhando ao ar livre, em feiras e centros culturais, ou participar de atividades em que os visitantes aprendem os primeiros passos da técnica — um gesto simbólico de conexão com a cultura local.

Um patrimônio de valor imensurável

Reconhecida como patrimônio cultural imaterial de Santa Catarina, a renda de bilro representa não apenas a habilidade manual, mas a resistência de uma tradição que encontrou formas de se adaptar sem perder sua essência. Ao valorizar essa arte, o visitante contribui diretamente para a preservação da memória coletiva e o fortalecimento da economia local, especialmente entre mulheres artesãs.

Participar de uma roda de renda, ver de perto a destreza das mãos que criam verdadeiras obras de arte, e talvez levar consigo uma peça feita à mão, é uma das experiências mais autênticas que esse roteiro oferece. Uma homenagem viva à delicadeza, à história e à força feminina dentro da cultura açoriana.

Festas do Divino e gastronomia típica açoriana

Se há um momento do ano em que as comunidades açorianas de Santa Catarina vibram em sua máxima expressão cultural, esse momento é durante as Festas do Divino Espírito Santo. Com raízes profundas na religiosidade popular portuguesa, especialmente nas tradições dos Açores, essa celebração é mais do que um evento religioso: é um espetáculo de fé, partilha, identidade e sabores.

O significado da Festa do Divino Espírito Santo

A Festa do Divino remonta à Idade Média, mas ganhou forma própria nas ilhas açorianas antes de ser trazida ao Brasil no século XVIII. Em Santa Catarina, ela sobrevive como uma das manifestações mais vivas da fé popular. A festa celebra o Espírito Santo como símbolo de paz, fraternidade e justiça, reunindo a comunidade em atos de devoção e solidariedade.

A preparação começa semanas antes, com o Encontro das Bandeiras, visitas das bandeiras do Divino às casas dos fiéis e a arrecadação de donativos. No grande dia, a celebração culmina em um cortejo colorido pelas ruas, com música, estandartes, coroação do imperador ou imperatriz do Divino, missas e manifestações artísticas.

Cortejo, coroação e fé popular

Durante a festa, o cortejo percorre a vila com as bandeiras vermelhas decoradas com a pomba do Espírito Santo, acompanhadas por músicos, fiéis e membros da comunidade vestidos com trajes típicos. Um dos momentos mais simbólicos é a coroação do imperador ou imperatriz mirim, geralmente uma criança escolhida pela comunidade, representando a pureza e a esperança.

A festa também é marcada por música folclórica, danças tradicionais e apresentações culturais que celebram a ancestralidade açoriana em meio a muita alegria e união.

Sabores que contam histórias

Como em toda boa festa tradicional, a gastronomia ocupa lugar de destaque. Os pratos típicos servidos durante a Festa do Divino são preparados coletivamente e oferecem uma verdadeira viagem sensorial à mesa açoriana. Entre as delícias mais comuns estão:

Rosca de polvilho – um pão doce macio, aromático e perfeito para acompanhar um café passado na hora.

Arroz de marisco – prato típico que reúne arroz, mariscos frescos e temperos caseiros.

Berbigão ao bafo – molusco cozido no vapor com alho, cebola e cheiro-verde, muito apreciado nas vilas pesqueiras.

Doce de figo em calda – sobremesa tradicional servida em potes de vidro, feita com frutas colhidas nos quintais locais.

Participar da Festa do Divino é uma experiência profunda: une cultura, música e culinária em um só evento, mostrando como a herança açoriana permanece viva e pulsante. Para quem busca mais do que belas paisagens, é a chance de vivenciar o verdadeiro espírito comunitário das vilas açorianas catarinenses — e levar na memória (e no paladar) um pedaço dessa tradição que resiste ao tempo.

Dicas práticas para montar o seu roteiro

Se você se encantou com a cultura açoriana e está pronto para vivenciar tudo o que essas comunidades têm a oferecer, vale a pena planejar sua viagem com calma para aproveitar ao máximo. Aqui vão algumas dicas essenciais para montar um roteiro autêntico, imersivo e sem pressa.

Melhor época do ano para visitar

A melhor época para conhecer as vilas açorianas em Santa Catarina é entre abril e julho, quando ocorrem as Festas do Divino Espírito Santo em várias comunidades. Esse período oferece temperaturas mais amenas, menor fluxo de turistas e uma atmosfera mais intimista. Para quem prefere o calor e deseja aproveitar as praias, os meses de novembro a março também são ótimos, mas com mais movimento e preços um pouco mais altos.

Duração ideal do roteiro

Um roteiro de 3 a 5 dias é o tempo ideal para conhecer com calma as principais vilas açorianas da Ilha de Santa Catarina, participar de alguma roda cultural, experimentar a culinária local e até fazer uma trilha leve ou passeio de barco. Com mais tempo, é possível incluir vilas do continente, como São Miguel de Biguaçu ou Governador Celso Ramos, que também preservam forte influência açoriana.

Sugestão de hospedagem em vilas tradicionais

Para uma experiência mais autêntica, prefira se hospedar nas próprias vilas históricas, onde pousadas familiares e casas de temporada mantêm o clima acolhedor e a arquitetura típica. Algumas sugestões:

Santo Antônio de Lisboa – pousadas com vista para o mar e acesso fácil a restaurantes e lojinhas de artesanato.

Ribeirão da Ilha – opções rústicas e charmosas no estilo açoriano, próximas aos criadouros de ostras e igrejas antigas.

Armação do Pântano do Sul – hospedagens pé na areia com clima de vila de pescadores e acesso rápido a trilhas e praias.

Como se locomover

Carro: a maneira mais prática de circular entre as vilas, especialmente se você quiser explorar com liberdade e conforto.

Bicicleta: ideal para trajetos curtos entre bairros como Santo Antônio e Sambaqui, com belas paisagens e ritmo tranquilo.

Trilhas e caminhadas: ótimas opções para explorar a natureza ao redor das vilas, como a trilha da Lagoinha do Leste ou o Caminho da Costa da Lagoa.

Transporte público: disponível, mas com horários limitados, podendo não atender bem todas as rotas turísticas.

Montar seu roteiro com atenção a esses detalhes garante uma viagem rica em experiências, sem pressa e com tempo para se conectar com as pessoas, os sabores e as histórias que fazem dessas comunidades açorianas verdadeiros tesouros vivos de Santa Catarina.

Vivenciar a cultura açoriana em Santa Catarina é muito mais do que fazer turismo — é mergulhar em uma história viva, sentida em cada rua de pedra, em cada bordado de renda, em cada prato preparado com carinho e tradição. É testemunhar a força de um povo que, há mais de dois séculos, constrói suas comunidades com base na fé, no trabalho e na celebração da vida em coletividade.

Explorar as vilas pesqueiras, visitar igrejas centenárias, participar das festas do Divino e sentar à mesa com sabores que atravessam gerações é uma forma profunda de se conectar com o que há de mais autêntico na identidade catarinense. Esses lugares não são apenas cenários: são guardiões de um legado cultural que merece ser preservado — e compartilhado.

O turismo consciente é a melhor forma de manter vivas essas tradições. Ao escolher produtos locais, participar das atividades culturais e respeitar o ritmo das comunidades, você se torna parte da preservação dessa riqueza imaterial. Porque, no fim das contas, conhecer o litoral açoriano de Santa Catarina é muito mais do que ver — é sentir, aprender e, acima de tudo, pertencer.

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